segunda-feira, 26 de outubro de 2015

UNTITLED

Hoje eu me sentei aqui numa mesa de madeira gasta pelo vento, pela chuva e pelo tempo. O mar à minha frente, no entanto, não parece ter sentido o efeito de nenhum desses agentes.
Quem dera a gente fosse eterno feito o mar, né, anjo?
Eu ainda lembro, apesar do tempo, da chuva e do vento, daquele momento em que a gente percebeu que já não mais se cuidava. Quando a gente se bastava mas não mais se transbordava e, em respeito à memória da gente mesmo, soltamos as mãos e deixamos que as luzes se apagassem, porque era doloroso olhar cada canto da nossa vida juntos. Mas se eu te confessasse que voltei algumas vezes pra verificar se a poeira tinha invadido, se alguma coisa tinha mudado, se meu coração ainda doía... Você me entenderia? Ou sacaria logo que só voltei pra ver se você tinha estado por lá também?
Sem nenhum sinal da tua luz no nosso lugar, que carregava todos os sinais do teu esquecimento, eu segui à procura de algo que ainda não sabia exatamente o que era. E, por não saber, enganei a mim mesmo: fingi não perceber que buscava, na verdade, por você. Em trechos de canções, na seção de romances do sebo da esquina e até nos corpos que deitaram-se ao lado do meu nas noites mais difíceis - e sequer me importei com seus nomes; me perturbavam seus olhares vazios (tão vazios quanto os meus) que diziam que também procuravam alguém que não era eu.
Eu te procurei, anjo, porque acreditava que talvez você pudesse estar me caçando por aí também. Porque esbarrar na tua alma, tão familiar, nesse mundo de loucura que não dá uma trégua, seria como respirar depois de muito tempo debaixo d'água.
Não te encontrei. E não desisti de procurar, até que não me pareceu mais uma opção continuar a te buscar. Até que a única opção era não permanecer aqui, como essa mesa, apesar da chuva, do vento e do tempo. Apesar das lembranças, dos beijos, dos sonhos, dos planos. E apesar de ter te visto partir, minha última opção, meu amor, foi finalmente aceitar isso - e notar, pela primeira vez, que a vida também estava aqui me esperando, apesar de eu ter esperado você.



Um comentário:

  1. Nossa, que texto... Chorei! Sinceramente chorei! É lindo demais e muito profundo! Posso levar? Adorei passar por aqui e te convido a vir conhecer o meu "Coração de Fera". Te aguardo. Bjs

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